27.8.08

uma viagem antropológica

Aqui não se preserva a arquitetura dos prédios tão bem quanto à herança histórica da escravidão. Está tudo lá. Ainda no aeroporto vi um negro ajoelhado no chão engraxando o sapato do branco (não tinha nem mesmo um caixote pra elevar o pé, nunca tinha visto alguém engraxar tão submissamente assim). Tem moço que vende colar, menino que pede, e mulher que se vende. Gente que te trata como se você lhe devesse algo. O assédio é muito! Mas felizmente também existe gente que “não se entregou a escravidão”.
Saindo um pouco de circuito mais turístico, as pessoas ficam mais amistosas e participativas (sem invadir).
Aconteceram inúmeras vezes: sempre que estávamos muito perdidos, misteriosamente surgia alguém pra dizer o caminho a seguir, e do mesmo jeito que aparecia, sumia sem pedir nada em troca.
A fundação Pierre Verger é humilde, mas faz questão de preservar as duas horas de almoço dos funcionários. É lá que tem a casa vermelha de xangô e o acervo de negativos. Na janela, a moringa não está coberta pela caneca: código pros amigos saberem que Verger está em casa.
No museu da santa casa da misericórdia tinha exposição de orixás. O sincretismo não é exatamente uma solução, mas foi uma saída para preservar minimamente a identidade religiosa do povo. As missas católicas são feitas ao som dos atabaques. O padre tem discurso político (socialista, veja só!) e apesar de explicar sobre o “voto-étnico”, acm neto está em primeiro lugar nas pesquisas... novamente aquela herança histórica, uma pena...
No Senhor do Bonfim a sala dos ex-votos têm milagres. As águas da lagoa da Abaeté são profundas, verdes, tentadoras... e a areia de uma alvura singular. O mar de itapuã é azul, calmo e a praia é rasa. Enfins, a geografia do lugar é qualquer coisa de incrível...
Tem a cidade baixa e a cidade alta. Para se deslocar há o elevador Lacerda, que demora aproximadamente 15 segundos pra subir ou descer, mas a vista do plano inclinado Gonçalves é melhor (e a construção me lembrou muito os elevadores portugueses), em qualquer um deles o transporte custa só 5 centavos.
A Bahia é negra. As ruas cheiram a azeite de dendê. As gargalhadas são altas. E mesmo no aparente silêncio da madrugada, se prestar bastante atenção vai ouvir batuques ao longe, mostrando que em algum lugar ainda há festa, seja de humanos ou de santo.
Existem baianas dos acarajés e as “baianas free-lancer” (só pra fotografar). A culinária tem influência africana, indígena e portuguesa. Eu poderia almoçar moqueca e lanchar acarajé todos os dias. Só seria difícil voltar ao trabalho depois do almoço (acabo de entender as sagradas duas horas de almoço dos trabalhadores).
O Mercado Modelo foi uma decepção, em compensação a Feira de São Joaquim foi o passeio mais improvável e curioso. Um carrinho de mão de cabrinhas amarradas: vivas e chorosas... galinhas d’angola caladas, galos cantantes, bicho vivo, bicho morto, em pedaços ou inteiros, camarão seco, frutas, folhas, incenso, artesanato de barro, figuras de candomblé, bebidas, temperos, gente... muita gente simples e boa, e também daquelas que botam medo, cochichando e fazendo negócios obscuros.
Foi uma viagem antropológica, sim.
E você?

Você já foi a Bahia, nêgo?

Não?

Então, vá!

2 comentários:

GOM disse...

Que belo resumo da viagem!

Luana Cavalcanti disse...

eu? nunca :~